A venda da empresa é [para ser] o momento de coroação da jornada empreendedora. O momento de realizar o árduo e, normalmente, longo processo de criação de valor na sua empresa. E em muitos casos, este pode ser um momento transformador do ponto de vista financeiro e de liquidez do empreendedor, permitindo a ele atingir um patamar de conforto financeiro inédito em sua vida pessoal. Portanto, é natural que a expectativa sobre o quanto este evento representará de dinheiro em seu bolso seja alta. Porém há diversos pormenores não tão menores assim que podem afetar sensivelmente o valor de fato embolsado pelo empreendedor no esperado dia do fechamento da transação. E é este indigesto conjunto de pormenores que pretendo superficialmente elencar aqui.

O primeiro deles é explicar a diferença dos conceitos de enterprise value (EV) e de equity value (EqV). Indo direto para um exemplo prático, uma das formas usuais de valorar empresas é a análise de múltiplos comparáveis, sendo uma das mais comuns o múltiplo de EBITDA (tema quase inevitável de negociação em qualquer processo de M&A). Suponhamos que vc esteja vendendo sua empresa, que fez no último R$ 10 milhões de EBITDA, por um múltiplo de 6 vezes – ou seja, R$ 60 milhões. Este é o enterprise value da sua empresa. Porém, a dívida líquida (dívida bruta (-) caixa) do seu negócio é de R$ 10 milhões (o equivalente a 1x EBITDA, o que é até confortável em termos de alavancagem financeira). O equity value, que é o que de fato você [ainda não] irá receber é a subtração da dívida líquida do EV, ou seja, R$ 50 milhões. Respire e vamos em frente.

O segundo é o capital de giro. Quando você vende a empresa, ela precisa “parar de pé”, ou seja, precisa ter nela capital de giro suficiente para que no dia seguinte o novo dono não precise aportar capital novo para gerí-la mantendo condições normais de temperatura e pressão. Tanto quanto o EBITDA, esta é uma conta sempre calorosa de ser acordada na mesa de negociação entre vendedor e comprador. Para simplificar nosso exercício, vamos supor que vc tenha uma necessidade de 30 dias de capital de giro – ou seja, um mês do seu faturamento anual. Vamos também supor que seu negócio fature R$ 60 milhões por ano, o que dá R$ 5 milhões por mês. Isto significa que vc precisa deixar R$ 5 milhões em caixa para o negócio parar de pé. Há diversos detalhes técnicos que podem fazer esta conta mudar drasticamente, mas estou sendo perverso no exemplo para pontuar o conceito. Mais um respiro profundo e seguimos adiante.

O terceiro é o earn out. Especialmente, mas não exclusivamente, em empresas de prestação de serviços, o comprador vincula parte do pagamento ao cumprimento de determinadas metas futuras acordadas na negociação entre as partes. Um motivo típico para isto é o grande vínculo que o empreendedor tem com a base de clientes e o, consequente, receio que o comprador tem de uma debandada dos clientes depois que o empreendedor sair do negócio – destruindo o valor pelo qual ele pagou. O earn out é uma forma criativa de equilibrar os interesses de cada parte – na medida que o empreendedor preserve (ou até aumente) por um determinado período, tipicamente de 2 à 5 anos, o valor da companhia, ele recebe por isto. Por exemplo, vamos supor que o acordo seja pagar 60% do EqV no fechamento e duas parcelas anuais de earn out baseadas, cada, em 20% de acordo com a manutenção do faturamento da empresa neste período. Partindo da premissa de que a empresa mantenha exatamente os R$ 60 milhões de faturamento anual ao longo de todo o período e de que o valor a ser recebido pela companhia seja os R$ 50 milhões de EqV menos os R$ 5 milhões de capital de giro, estamos falando em R$ 45 milhões x 60% a ser pago no fechamento – R$ 27 milhões. Vale frisar aqui que você não está deixando de receber os 40% remanescentes vinculados ao earn out, ao contrário do que aconteceu com os R$ 15 milhões de dívida líquida e capital de giro – você está apenas adiando seu recebimento, inclusive com a possibilidade de este valor aumentar caso você supere as metas estabelecidas, dependendo dos termos comerciais negociados.

O quarto são as contingências. Dificilmente uma empresa não tem passivos, sejam materializados, sejam potenciais, de âmbitos fiscal e trabalhista principalmente (mas isto estende-se a temas ambientais, cíveis, etc.). Os materializados são mais fáceis de debater, os potenciais são sempre outra discussão negocial acalorada nas salas de reunião. O objetivo da retenção de contingências é dar conforto ao comprador de que se amanhã a empresa for autuada, por alguma prática anterior à transação, que o Estado discorda e perder, haverá recursos suficientes dos responsáveis (no caso, os acionistas vendedores) para arcar com seu custo. Para simplificar a discussão aqui, vamos supor que entre análises e debates legais sempre profundos no tema, as partes acordaram em reter R$ 5 milhões do pagamento ao vendedor. De novo, aqui os vendedores não estão deixando de receber este valor, apenas adiando-o – na medida que de fato os passivos potenciais não se materializem. Há práticas distintas de liberação do valor de acordo com o perfil dos passivos contingenciados, mas para fins deste exercício simplificado, vale assumir que você teria 1/5 do valor liberado a cada ano ao longo de 5 anos, ou seja, R$ 1 milhão por ano.

O quinto e último (ufa) é o inevitável imposto. Aqui o debate é mais amplo do que os quatro pontos anteriores e poderíamos discorrer por horas a respeito com especialistas. Dependendo do nível de risco e de infinitas particularidades de cada caso, incluindo a diferença do valor patrimonial da companhia versus o valor da venda, pode-se conseguir não recolher nada de Imposto de Renda ou recolher alíquotas até acima de 30% do valor recebido. Para fins de exercício, vamos ficar no meio termo e assumir um pagamento de 15% sobre o valor recebidos pelos acionistas vendedores.

Vamos resumir esta suposta conta de forma organizada até aqui então:

R$ mil
 Enterprise Value (EV)60.000
(-)Dívida Líquida(10.000)
(=)Equity Value (EqV)50.000
(-)Capital de Giro(5.000)
(-)% em Earn Out > 40%(18.000)
(-)Contingências(5.000)
(=)Valor Recebido no Fechamento22.000
(-)Imposto de Renda > 15%(3.300)
(=)Valor Líquido Final no Fechamento18.700

 

Perceba que o valor recebido no fechamento, neste exemplo ilustrativo, equivale a 31% do valor da companhia (o EV). Mas vale frisar que R$ 23 milhões (equivalente a mais 38% do EV), de earn out e contingências, ainda devem vir para o bolso dos vendedores – naturalmente que sujeitos a cumprimento de metas e não materialização de potenciais passivos, respectivamente.

O objetivo deste artigo não é de forma desencorajar o empreendedor a vender seu negócio, até porque (i) esta conta é inevitável e (ii) isto é apenas ilustrativo e confesso que em uma hipótese entre cenários realista e pessimista. Negócios baseados em produto, como indústria ou varejo por exemplo, tendem a ter menos ou até não ter earn out; empresas sem dívida ou até excedente de caixa, podem não sofrer impacto de descontos de endividamento ou capital de giro; particularidades de cada caso podem permitir significativo ganho no valor a ser recolhido de IR; dentre outros fatores. Os recados principais que ficam são (i) equilibre a expectativa entre o quanto vale o seu negócio versus o quanto você irá de fato receber no momento do fechamento da transação e (ii) garanta que você está assessorado por especialistas em cada uma destas sensíveis linhas expostas no quadro financeiro ilustrativo ali de acima – pois o perigo (ou o sucesso) mora nos detalhes da negociação de cada uma delas.