Estruturar uma transação de M&A sempre foi considerado uma atividade altamente personalizada, dada as peculiaridades de cada empresa e os objetivos que as partes envolvidas na transação pretendem alcançar. Nesse contexto, seria absurdo pensar que os assessores que atuam em tais transações, sejam eles financeiros ou jurídicos, poderão ser substituídos em algum momento pela tecnologia?
Para respondermos à pergunta/provocação acima, tentaremos fazer uma retrospectiva cronológica de como que o uso da tecnologia nas transações de M&A tem se intensificado na última década e analisar se algum destes avanços implicou na substituição dos assessores nas respectivas tarefas envolvidas.
A primeira ferramenta que transformou a dinâmica das transações de M&A foi o data room virtual, que é um espaço virtual utilizado para disponibilização dos documentos e informações da sociedade alvo e de seus sócios solicitados para análise por parte dos assessores do potencial comprador. Antes do surgimento desta tecnologia era comum o citado time de assessores passar algumas semanas trancado numa sala analisando todas as informações disponibilizadas, fosse na sede da empresa alvo ou em outro local. Atualmente, independente da ferramenta utilizada para essa finalidade, a análise documental tem sido realizada totalmente ou preponderantemente de forma remota, facilitando bastante a logística dos assessores e reduzindo os custos da transação.
Outra ferramenta que causou grande impacto na dinâmica das transações de M&A é a sala de reunião virtual, tais como Skype, Zoom, Google meet e Teams, dentre outras. Embora o contato “olho no olho” ainda seja indispensável em diversos momentos das negociações, parcela relevante de tais encontros pode ser realizada de forma virtual, seja pela praticidade e/ou economia de tempo e dinheiro. Durante o auge da pandemia da COVID-19 foram realizadas transações de M&A com 100% das reuniões tendo sido realizadas de forma remota. Hoje em dia é praticamente impensável conduzir uma transação de M&A sem a realização de reuniões virtuais.
Nós já vimos que a forma de disponibilização dos documentos da due diligence legal mudou com a utilização do data room virtual, mas atualmente esse processo já avançou com a utilização da inteligência artificial e do Big Data para a coleta e processamento das informações da sociedade alvo e de seus sócios, reduzindo sensivelmente o prazo de realização da due diligence legal. Se antes eram necessários, no mínimo, de 60 a 90 dias para conduzir adequadamente a due diligence legal, a depender do tamanho da sociedade alvo e quantidade de sócios, com o advento de tais tecnologias não é exagero imaginar que esse prazo pode ser reduzido pela metade (ou menos). Ainda é necessário a revisão parte dos assessores jurídicos das informações processadas automaticamente, mas é inegável que a utilização de tais ferramentas agiliza sensivelmente a condução da auditoria.
Finalmente, verificamos recentemente o surgimento no Brasil da primeira plataforma de M&A que conecta vendedores à compradores/investidores de forma totalmente digitalizada, ou seja, a automatização de parcela dos serviços de investment banking. Tal como os aplicativos de relacionamento, essa ferramenta possibilita que o vendedor receba uma lista de potenciais interessados em adquirir, integralmente ou parcialmente, a sociedade à venda (a match list), reduzindo para alguns dias um processo que poderia levar alguns meses para ser conduzido.
Todas as tecnologias descritas acima possuem uma característica em comum: nenhuma delas suprimiu totalmente a atuação dos assessores da transação, sejam eles financeiros ou jurídicos; pelo contrário, são ferramentas que facilitam bastante a vida dos assessores e dos empresários ao reduzir o tempo e custo de estruturação das transações.
O uso da tecnologia se faz cada vez mais presente em diversas situações do nosso cotidiano, não faria sentido as transações de M&A ficarem de fora desse movimento que é irreversível. Cabe aos assessores que atuam nesse segmento se especializarem cada vez mais naquilo que as máquinas não conseguem substituí-los (ainda).
Gustavo Pires é Head de M&A e Governança do Grupo Valore Elbrus.