Operações de fusões e aquisições (“M&A”) são, quase por definição, transações comerciais complexas, em especial quando ocorrem de forma transfronteiras. Estas normalmente envolvem várias entidades corporativas e acordos longos e multifacetados.
Em razão da referida complexidade e multidisciplinariedade envolvida nas operações de M&A, é previsível que alguns negócios resultem em disputas, sendo mandatória, nos contratos de M&A, a existência de cláusula contratual dispondo sobre a forma de resolução de tais controvérsias. Dentre as opções existentes, a arbitragem é amplamente utilizada, pois as partes envolvidas nessas operações consideram, usualmente, uma série de vantagens que são de particular importância no contexto de M&A, especialmente quando em comparação com o foro judicial.
Dentre estas vantagens, podemos citar a possibilidade de envolvimento de profissionais, notadamente, especialistas na matéria em discussão, visto que, a depender da cláusula compromissória acordada, é facultado às partes a indicação dos árbitros para formação do tribunal arbitral. Entende-se que tal ato discricionário é de grande relevância, visto que as disputas em operações de M&A, geralmente, estão relacionadas à questões intrincadas, incluindo assuntos relacionados a valuation, critérios contábeis, usos e práticas exclusivos desse tipo de negociação, tais como: representações e garantias, holdbacks, liberação de valores em escrow accounts, eventos materiais adversos, earn-out, dentre outros.
No âmbito das fusões e aquisições, a ampla gama de acordos entre as partes pode dar origem a procedimentos arbitrais distintos. Especificamente, as disputas de M&A pré-assinatura podem ser desencadeadas pela violação do acordo de não divulgação e disposições da carta de intenções (“LOI”) ou memorando de entendimentos (“MoU”). Na fase de pré-fechamento e pós-assinatura, são comuns as disputas relacionadas as disposições dos contratos de compra e venda de ações. Por fim, as disputas pós-fechamento geralmente giram em torno de representações e garantias, obrigações de indenizar, bem como reivindicações de ajustes de preços.
Os árbitros indicados para decidirem a disputa devem ter conhecimento sobre o setor de atuação das sociedades envolvidas na operação, assim como sobre questões econômicas, não bastando serem meramente contratualistas ou especialistas em direito societário. Em contrapartida, sabe-se que os juízes togados lidam com uma vasta gama de matérias, e podem nem sempre ser qualificados a esse respeito, pois – falando em âmbito nacional, sabe-se que são poucos estados que possuem câmaras especializadas em direito empresarial para lidar com litígios complexos.
Desse modo, árbitros e advogados especialistas, envolvidos em procedimentos arbitrais, são provedores de conhecimento específico e podem ser selecionados de acordo com suas características profissionais e experiência técnica, suas proficiências linguísticas e disponibilidade, desde que os critérios de imparcialidade e independência sejam cumpridos.
Outro ponto a se destacar diz respeito ao sigilo com o qual o procedimento de arbitragem é revestido. Sabe-se que, em muitos casos, é de extrema importância que as informações franqueadas na disputa e até mesmo a própria existência da disputa sejam sigilosos, visando resguardar as partes e/ou o business da Sociedade envolvida.
Ato contínuo, cumpre destacar que as arbitragens ocorrem de maneira muitas vezes mais amigável e comercial do que os litígios que vão ao contencioso judicial e, porque os aspectos econômicos desempenham um papel mais central, e resultam frequentemente em acordos. Consequentemente, a arbitragem pode ter um efeito “desarmador” e fomentar as relações comerciais entre as partes. Isso é particularmente importante quando as partes de um acordo permanecem associadas após a transação e precisam encontrar uma maneira de cooperar no futuro.
Não obstante os apontamentos anteriores, a figura da arbitragem torna-se especialmente importante nas transações internacionais, tendo em vista que os procedimentos arbitrais podem ser conduzidos em qualquer idioma. Tal combinação de conhecimentos jurídicos relevantes e proficiência no idioma geralmente só pode ser oferecido por um tribunal arbitral, especialmente porque as cortes estatais procedem apenas em suas respectivas línguas nativas.
Como esse tipo de disputa tende a envolver a análise de documentação volumosa e complicada, essa flexibilidade de linguagem oferecida pela arbitragem pode ajudar a evitar a necessidade de traduções, com consequente economia significativa de tempo e dinheiro, pois o idioma aplicável à arbitragem será escolhido no momento da redação da cláusula arbitral, sendo este, inclusive, um dos motivos pelos quais a arbitragem é mais célere em relação ao contencioso judicial.
Em resumo, particularmente em transações internacionais de M&A, mas também no contexto doméstico, os argumentos em favor da arbitragem são atraentes.
Tendo em vista a multiplicidade de fontes para disputas relacionadas a fusões e aquisições e a particularidades procedimentais abordadas acima, a elaboração de convenções de arbitragem que atendam aos padrões exigidos para um mecanismo eficiente de resolução de disputas requer bastante habilidade e atenção.
Um risco adicional na prática é causado pela circunstância de que os advogados que preparam os acordos de M&A, nem sempre estão familiarizados com operações de fusões e aquisições, e nem mesmo com a lei de arbitragem ou com a redação de uma cláusula compromissória, não dando a esta a devida atenção.
Usualmente se vê em contratos de compra e venda de quotas ou ações, cláusulas arbitrais má redigidas ou vazias, as quais causam um efeito dúbio no momento em que se recorre à arbitragem. Indo além, na prática ainda se vê a elaboração de um acordo de sócios ou acionistas no momento do fechamento da operação, com cláusula de eleição de foro comum ao invés da arbitragem, causando um conflito jurisdicional antes mesmo do início da relação jurídica.
As câmaras arbitrais disponibilizam cláusulas modelo de arbitragem, que visam praticamente eleger a câmara como instituição administradora do conflito, resguardando às partes a aplicação da arbitragem. Todavia, a utilização literal de tais cláusulas não garante o detalhamento de todos os aspectos necessários ao nível de complexidade que se tem em uma operação de M&A, sendo sempre necessária a adaptação pelas partes das cláusulas modelo as suas necessidades.
Alterações nas cláusulas modelo devem ser cuidadosamente consideradas. As cláusulas compromissórias devem ser elaboradas para se certificar de que estas se encaixam a dinâmica específica de um determinado negócio, de outra sorte esta se tornam ineficazes e acabam atrapalhando as partes no momento do litígio.
Adicionalmente, em contraponto as vantagens que, em tese, são obtidas pela eleição da arbitragem como método de resolução de conflitos, podemos citar: (i) os custos envolvidos, que, geralmente, acabam sendo mais elevados do que os incorridos no foro comum, podendo inviabilizar a discussão pela parte que detenha menor potencial financeiro; e (ii) insegurança jurídica oriunda de decisões judiciais que anularam o procedimento arbitral.
Por fim, nota-se que a arbitragem pode ser o método de resolução de disputas mais adequado para conflitos relacionados a fusões e aquisições, desde que os critérios primordiais e essenciais sejam observados no momento da redação da cláusula compromissória.
Isso se deve principalmente ao fato de que a arbitragem facilita o acesso das partes à expertise necessária para operações de M&A, e além disso confere às partes um maior grau de autonomia em diversos assuntos, incluindo a escolha das regras aplicáveis, árbitros, sede e idioma.
Lívia de Moraes Stival / Gustavo Futata
Mazutti Ribas Stern – Sociedade de Advogados