A compra e venda de ativos empresariais é uma operação presente na rotina de muitos empresários brasileiros. Inclusive, devido à simplicidade da transação, muitas vezes cabe exclusivamente aos administradores da empresa tomar todas as decisões para executá-la. Porém, essa simplicidade não significa ausência de riscos, que acabam passando de forma imperceptível pelo comprador até que surjam contratempos.

Ao longo dos anos, percebemos que operações de compra e venda de ativos têm gerado a responsabilização do comprador por obrigações assumidas pelo vendedor, incluindo aquelas anteriores ao fechamento da operação. A título de exemplo, listamos abaixo algumas decisões judiciais que evidenciam isso.

Em apelação julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em março de 2021, um contrato de “aquisição de portfólio de clientes” foi reconhecido como trespasse. Isso porque, de acordo com a decisão, o contrato previa (i) o uso exclusivo do nome da vendedora; (ii) a comprovação de inexistência de débitos e procedimentos judiciais e administrativos; (iii) a compra dos móveis, utensílios, ferramentas e estoque da vendedora, exceto bens imóveis, (iv) a proibição de concorrência, e (v) a possível contratação dos colaboradores da vendedora. Logo, entendeu-se que a compradora era sucessora da vendedora, sendo responsabilizada pelos débitos tributários devidos até a data da operação.

Em apelação diversa, julgada pelo mesmo tribunal em fevereiro de 2020, um contrato de “transferência de know-how e ativos industriais” também foi reconhecido como trespasse. O juiz em questão concluiu que para além do know-how, houve a transferência de ativos essenciais para o exercício da atividade empresarial. Ainda, destacou a identidade de atividades e relação familiar entre os representantes da vendedora e compradora. E, uma vez reconhecido o trespasse, o juízo presumiu a contabilização dos débitos no momento da aquisição e a compradora tornou-se responsável pelo pagamento das duplicadas cobradas da vendedora.

Já em apelação julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em julho de 2014, não foi necessária sequer a aquisição de ativos. A semelhança de atividade exercida e utilização do mesmo endereço entre duas empresas foi suficiente à caracterização da sucessão empresarial e imposição de quitação da obrigação cambial pela sucessora. Vale ressaltar que não havia relação contratual ou identidade de sócios entre as empresas.

Em resumo, podemos concluir que os requisitos necessários à caracterização da sucessão empresarial (e, portanto, responsabilização do comprador) não são tão claros. Por conta disso, é importante saber identificar as situações que comportam os maiores riscos, investigar a profundidade deles e buscar mecanismos para contorná-los.

Para identificar a profundidade do risco que se está assumindo numa transação de compra e venda de ativos, a due diligence (auditoria) é a ferramenta mais adequada para compreender o contexto por trás da operação. Através da análise das atividades operacionais e não operacionais do vendedor e demais aspectos das pessoas físicas e jurídicas do seu grupo econômico, a auditoria permite ao comprador o levantamento e a quantificação dos riscos que permeiam a operação.

Portanto, através da due diligence, é possível descobrir eventuais passivos contingentes, inconsistências nos ativos, e outros riscos decorrentes da estrutura ou decisões tomadas pelo vendedor na condução dos seus negócios, como: conflitos e nulidades societárias, planejamentos tributários ilícitos, descumprimento de obrigações, concessão de garantias, infrações trabalhistas, irregularidades ambientais, dentre tantas outras situações. Ou seja: estima-se, em números, o risco de sucessão que o comprador deverá assumir.

Para melhor visualização, pense a respeito da situação trazida pelo artigo 1.146 do Código Civil Brasileiro: 

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

 

É razoável afirmar que os débitos mencionados podem ser mapeados analisando as demonstrações financeiras e contábeis do vendedor. Agora, imagine aqueles débitos que não estão contabilizados: só conseguimos encontrá-los e quantificá-los ao examinar os documentos que os originam. Esses documentos podem ser: contratos de qualquer espécie, licenças operacionais, certidões, etc.

Você deve estar se perguntando: qual a importância dos documentos adicionais se o artigo é claro ao dizer que a responsabilidade abrange apenas os débitos regularmente contabilizados? Pois bem, muito embora não seja de responsabilidade do comprador, a sucessão empresarial o obriga perante terceiros. Nessa ocasião, se o comprador for acionado para quitar algum passivo oculto e resolver fazê-lo por qualquer razão (geralmente a manutenção da sua credibilidade, desejo de evitar demandas judiciárias, etc.), poderá o comprador exercer seu direito de regresso frente ao vendedor. Mas, nesses casos, devemos supor o pior dos cenários: pode o vendedor estar insolvente e incapaz de ressarci-lo pelos valores pagos. 

Ou seja, além de advertir o comprador do tamanho do risco que se deseja assumir, a due diligence permite que inconvenientes como a situação citada acima sejam antecipados. Assim, o comprador poderá exigir do vendedor mecanismos garantidores do pagamento de passivos, de forma preventiva (como alienação fiduciária, hipoteca, escrow account, retenção de preço, redução de preço, etc.), ou posterior (como reembolso, obrigação direta e automática de quitação do passivo pelo vendedor, etc.), bem como, se a auditoria apontar alto nível de confiança no negócio, possibilitar uma negociação mais fluída.

Em síntese, concluímos que a relevância da due diligence não está na eliminação dos riscos da operação de compra e venda de ativos, mas sim em conscientizar o comprador quanto à extensão do risco que se assume, mapear e quantificar os passivos e contingências, fundamentar a avaliação da estrutura da operação, servir de argumento negocial dos termos da transação, e, por fim, possibilitar a criação de cláusulas de proteção do comprador quando aos contratempos que podem vir a surgir após a consumação da compra e venda.