Em operações de Fusões e Aquisições (“M&A”), não raro, embora manifesta a sinergia entre adquirente e vendedor, e a despeito do acordo entre as partes acerca do valor econômico envolvido, o fechamento propriamente dito da operação (“closing”), em alguns casos, necessita, por razões de ordem legal ou convencional, ser diferido para momento futuro, sem embargo da assinatura do contrato (“signing”), o que sujeita a operação, deste modo, a um “período intermitente”.
As razões para o diferimento destes dois momentos, signing e closing, podem ser inúmeras, e variadas com relação ao seu ator principal: podem derivar de fato imputável a sociedade objeto da operação, ao comprador, ao vendedor, ou a um terceiro.
Por fato imputável ao comprador, por exemplo, poderíamos cogitar de situação em que, para efetivação da operação, precisaria obter financiamento junto a empresas relacionadas ou instituição financeira, consumando-se com o recebimento do valor e o fechamento mediante pagamento do preço. A sociedade e/ou o vendedor, por sua vez, poderiam vir a necessitar da anuência de clientes, fornecedores ou investidores para fins da consumação da operação. Ou, ainda, podem as partes ter de sujeitar o fechamento da operação à aprovação de uma entidade governamental, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que avaliará a legalidade da consecução da operação.
Outra hipótese, mais rara, todavia, de diferimento do prazo entre signing e closing pode decorrer da fixação de opção, outorgada ao comprador ou ao vendedor de, durante o transcurso de certo período, optar ou não pela efetivação da operação.
O prazo necessário à verificação de cada uma destas disposições é sujeito, logicamente, à complexidade e à quantidade de esforços necessários à efetivação de cada uma. Frequentemente, todavia, o seu cumprimento demanda semanas e, em especial nos casos em que há necessidade de obtenção do assentimento de órgãos públicos, até meses, para sua implementação.
E tendo as partes à frente este período intermitente, que poderá colocar em dúvida a consumação do negócio na estimada data de fechamento, costuma-se indagar: é possível manter, durante o transcurso deste prazo, o alinhamento, construído a duras penas, entre adquirente e vendedor, que levara à assinatura do contrato? Caso a resposta seja negativa, na hipótese de ocorrência de mudanças nas condições da sociedade ou do vendedor que alterem este alinhamento, por sua vez, qual alteração seria aquela capaz de justificar a rescisão contratual, ou mesmo fazer surgir o pagamento de uma multa pelas partes, caso a alteração seja a uma delas imputável? Haveria alguma fórmula da qual as partes poderiam se valer, de antemão, para se anteciparem às alterações a que a empresa, a qual é objeto da operação, está sujeita, para regulamentar cada um dos efeitos que ela pode sofrer?
Qualquer proposta de solução às indagações que invariavelmente inquietarão as partes durante o transcurso deste prazo tenderá a não ser definitiva, mas balizada, antes, como a prática do M&A vem demonstrando, sob uma lógica de alocação das responsabilidades relacionadas às obrigações que levarão à ocorrência do fechamento; e, principalmente de um esforço de manutenção do cenário da empresa percebido à época de assinatura.
As soluções contratuais propostas a esses desafios frutos deste “período intermitente”, partem, comumente, da estipulação de três diferentes cláusulas: a de Cumprimento das Obrigações Precedentes (ou “Compliance With Conditions Precedents); a de Efeito Material Adverso (ou “Cláusula MAC – Material Adverse Change”); e a de Ratificação das Declarações e Garantias (ou “Bring-down Clause”).
Através das primeiras, as partes convencionam a obrigação de cumprimento daquelas condições de entrada, vale dizer, de satisfazerem as demandas que impuseram o surgimento do período intermitente – as quais, como indicado acima, podem se relacionar à obtenção de financiamento, da negociação de contratos, da outorga de autorização pela administração pública, ou mesmo da aprovação da operação, a qual fora assinada pela administração, pelo corpo de acionistas das companhias.
De forma a incentivar o adimplemento das obrigações precedentes, não raro, fixam-se multas pelo seu não cumprimento (o que leva à aplicação das chamadas break-up fees). Em outros casos, todavia, podem as partes simplesmente optar pela não incidência da multa, de forma que o efeito do não atingimento da condição levará ao simples desfazimento do negócio – em regra, em razão da sua não imputabilidade à conduta de cada uma delas, como a não aprovação da operação pelo CADE.
Pela Cláusula MAC, por sua vez, as partes determinam quais os efeitos materiais adversos pelos quais a empresa, no curso do período intermitente, não poderá sofrer, sob pena de se constituir, em favor daquele maior interessado à manutenção das condições percebidas no momento da assinatura – vale dizer, o comprador –, direito à extinção do contrato (ou o Walk-away right).
Esta segunda cláusula é causa de inúmeras disputas entre compradores e vendedores, seja no momento de elaboração de sua redação, seja no momento de eventual exercício da desvinculação contratual em razão da ocorrência do fato que gere alteração substancial. Isto porque, no primeiro momento, tencionam-se a vontade do comprador, consistente no elastecimento das hipóteses de sua ocorrência, com a do comprador, exarada na intenção de restringi-la, mediante fixação, por exemplo, de exceções à sua ocorrência. No segundo, normalmente discute-se, quando da sua execução, o caráter extremamente genérico da cláusula – a qual, por vezes, por se demonstrar excessivamente vantajosa ao comprador, acaba sendo afastada pelos julgadores, outorgando, ao vendedor, o direito de ver a operação ser efetivada.
A terceira cláusula, por fim, consiste na fixação da obrigação de o vendedor, no momento do fechamento, reafirmar todas as declarações e garantias por ele exaradas no momento de assinatura. Trata-se de uma forma de resguardar ao comprador de que, caso no momento do closing, não disponha a empresa objeto de aquisição as mesmas condições declaradas pelo vendedor no momento do signing, ele terá o direito de se desvincular da obrigação de pagamento do preço, outrora acordada.
Na prática desta cláusula, por exemplo, podemos nos deparar com a hipótese da declaração do vendedor, no momento do signing, que a sociedade não se encontra sob qualquer fiscalização administrativa; caso ele não possa reafirmá-la no momento do closing, abrir-se-á ao comprador a faculdade, conforme acordado em contrato, de renegociação, resolução ou mesmo abatimento do preço em razão desta impossibilidade de ratificação de condição outrora declarada. Notemos que a prática da Bring-down, embora semelhante, possui nuances distinta à MAC, já que aquela, em realidade, busca tutelar a expectativa criada no comprador pelas declarações e garantias apresentadas inicialmente pelo vendedor – as quais, caso quebradas, podem representar ou não um efeito substancial negativo na operação.
Como visto, muito comumente, o contrato de M&A exigirá, à sua efetivação, o transcurso de um período intermitente. É da natureza dos valores destas operações e da complexidade das empresas objeto da negociação a comum impossibilidade de combinação, num mesmo momento, do signing e do closing.
Caberá, desta forma, àqueles responsáveis por assessorar compradores e vendedores, nos limites impostos pelo ordenamento jurídico, buscar, mediante a redação de cláusulas próprias àquela negociação, imputar responsabilidades à frustração do cumprimento das obrigações precedentes; e buscar criar gatilhos para que, caso sofra a sociedade variações em sua situação no curso do período, permitir a desvinculação, com ou sem pagamento de multas, pelas partes.
Gustavo Futata e João Tiago Maia de Andrade, Advogados do departamento de M&A – Mazutti Ribas Stern Sociedade de Advogados